domingo, 12 de dezembro de 2010

Família é prato difícil de preparar

Recebi este texto por email hoje de uma amiga muito querida. Fizemos um curso de pós graduação juntas e conversávamos muito sobre nossas famílias.  Tenho certeza que o envio foi por estas lembrança.sObrigada pelo presente. Caiu como uma luva pelas minhas tentativas de reunir a família agora no Natal. Fui pesquisar e descobri que o texto faz parte  de  um livro de autoria do escritor, roteirista e dramaturgo, Francisco Azevedo, O arroz de Palma. Vou comprar o meu exemplar imediatamente. Faça o mesmo. Tenho certeza que você vai se identificar.  É uma história de uma família comum, parecidíssima com qualquer uma: a minha, a da nossa vizinha, a sua... Casamentos, nascimentos, brigas, separações, intrigas, festejos e mortes. Tudo temperado com um ingrediente especial; o carinho do autor. 
 
O ARROZ DE PALMA
Autor: Francisco Azevedo
Editora: Record
Ano: 2008
1ª Edição
Número de Páginas: 364

A obra começa com Antônio, filho de José e Maria, aos 88 anos, preparando o almoço que será servido à família, finalmente reunida após muito tempo.

"Família é prato difícil de preparar.
São muitos ingredientes. Reunir todos é um problema, principalmente no Natal e no Ano Novo.
Pouco importa a qualidade da panela, fazer uma família exige coragem, devoção e paciência. Não é para qualquer um. Os truques, os segredos, o imprevisível. Às vezes, dá até vontade de desistir. Preferimos o desconforto do estômago vazio. Vêm a preguiça, a conhecida falta de imaginação sobre o que se vai comer e aquele fastio. Mas a vida, (azeitona verde no palito) sempre arruma um jeito de nos entusiasmar e abrir o apetite.
O tempo põe a mesa, determina o número de cadeiras e os lugares. Súbito, feito milagre, a família está servida. Fulana sai a mais inteligente de todas. Beltrano veio no ponto, é o mais brincalhão e comunicativo, unanimidade. Sicrano, quem diria? Solou, endureceu, murchou antes do tempo. Este é o mais gordo, generoso, farto, abundante. Aquele o que surpreendeu e foi morar longe. Ela, a mais apaixonada. A outra, a mais consistente.
E você?  É, você mesmo, que me lê os pensamentos e veio aqui me fazer companhia. Como saiu no álbum de retratos? O mais prático e objetivo? A mais sentimental? A mais prestativa? O que nunca quis nada com o trabalho? Seja quem for, não fique aí reclamando do gênero e do grau comparativo. Reúna essas tantas afinidades e antipatias que fazem parte da sua vida. Não há pressa. Eu espero. Já estão aí? Todas?
Ótimo. Agora, ponha o avental, pegue a tábua, a faca mais afiada e tome alguns cuidados. Logo, logo, você também estará cheirando a alho e cebola. Não se envergonhe de chorar. Família é prato que emociona. E a gente chora mesmo. De alegria, de raiva ou de tristeza.
Primeiro cuidado: temperos exóticos alteram o sabor do parentesco. Mas, se misturadas com delicadeza, estas especiarias, que quase sempre vêm da África e do Oriente e nos parecem estranhas ao paladar tornam a família muito mais colorida, interessante e saborosa.
Atenção também com os pesos e as medidas. Uma pitada a mais disso ou daquilo e, pronto, é um verdadeiro desastre. Família é prato extremamente sensível.
Tudo tem de ser muito bem pesado, muito bem medido. Outra coisa: é preciso ter boa mão, ser profissional. Principalmente na hora que se decide meter a colher.
Saber meter a colher é verdadeira arte. Uma grande amiga minha desandou a  receita de toda a família, só porque meteu a colher na hora errada.  
O pior é que ainda tem gente que acredita na receita da família perfeita. Bobagem. Tudo ilusão. Não existe Família à Oswaldo Aranha; Família à Rossini, Família à Belle Meuni; Família ao Molho Pardo, em que o sangue é fundamental para o preparo da iguaria. Família é afinidade, é a  Moda da Casa. E cada casa gosta de preparar a família a seu jeito.
Há famílias doces. Outras, meio amargas. Outras apimentadíssimas. Há também as que não têm gosto de nada, seria assim um tipo de Família Dieta, que você suporta só para manter a linha.  Seja como for, família é prato que deve ser servido sempre quente, quentíssimo. Uma família fria é insuportável, impossível de se engolir.
Enfim, receita de família não se copia, se inventa. A gente vai aprendendo aos poucos, improvisando e transmitindo o que sabe no dia a dia. A gente cata um registro ali, de alguém que sabe e conta, e outro aqui, que ficou no pedaço de papel. Muita coisa se perde na lembrança. Principalmente na cabeça de um velho já meio caduco como eu. O que este veterano cozinheiro pode dizer é que, por mais sem graça, por pior que seja o paladar, família é prato que você tem que experimentar e comer. Se puder saborear, saboreie. Não ligue para etiquetas. Passe o pão naquele molhinho que ficou na porcelana, na louça, no alumínio ou no barro.
Aproveite ao máximo. Família é prato que, quando se acaba, nunca mais se repete."

Agora que acabou de ler, confesse que identificou todos os personagens em sua família.
Eu adorei. E a capa do livro? Uma forma de bolo em forma de coração cheia de arroz. 
Tem coisa mais fofa e família?

Um comentário:

eneida kricky disse...

Clivia vc realmente ativa nossa imaginação só sendo potiguar e fervilhante. Beijus. Eneida kricky